tédio

eu andava pensando muito sobre como o tédio teve um papel essencial na minha infância e juventude. Numa dessas de tentar entender porquê eu sou quem eu sou, sempre pensava em como eu fui criada. Muitas das minhas habilidades atuais foram desenvolvidas na infância, e muitas foram por incentivo de meus pais. Eu nem sei quando foi que eu comecei aprender a desenhar, acho que foi literalmente desde que eu conseguia pegar em um lápis, e desde cedo eu tinha muito interesse em livros, e queria aprender coisas sobre o mundo inteiro, e acreditava que eu era capaz de qualquer coisa. Eu lia vários livros por mês, adorava fazer DIY que eu tirava da minha cabeça, escrevia diários e aprendia a fazer coisas que nem adultos sabiam fazer. Além de ter tido a influência de meus pais, e muita curiosidade com o mundo, eu tinha também tédio. Minha mãe regrava minhas horas no computado. Normalmente era uma hora por dia, no máximo duas, e eu demorei muito tempo a ter um celular. Lembro que todos os meus amigos já tinham whatsapp e se comunicavam em grupos, e eu ficava triste de ficar de fora daquilo. No começo da faculdade eu ainda usava um celular de botão, que a minha mãe tinha me dado pra eu poder ligar pra ela me buscar no ponto de ônibus. Eu quase chorei pedindo um celular pra ela, e ela me arrastou pro Fujioka do shopping e comprou um celular de 100 reais. Eu acho que ela nem estava realmente pensando que era melhor pra mim não ter um celular ainda, acho que era mais em relação ao dinheiro, mas essa é uma daquelas coisas que depois que a gente cresce mais um pouco, fica muito feliz por ter acontecido dessa forma. Eu não tinha celular, então quando eu ficava entediada eu ia ler, pegava livros emprestados da família, mexia na estante da minha avó e ia ler livros de adulto que eu custava muito a entender as páginas. Mas era isso, ou olhar pro teto, ou assistir novela na televisão. Com 11 anos eu terminei a primeira série de livros da minha vida, Harry Potter, os primeiros livros que não tinham nenhuma imagem dentro. Eu encontrava com as minhas primas, e a gente inventava coisas pra fazer, jogo de tabuleiro, brincadeiras, até passear na rua era algo divertido. Eu penso em quanto o tédio fez bem, e que sem ele, eu não seria quem eu sou hoje. Eu seria literalmente outra pessoa. Isso me assusta, porque aos meus 18 anos eu ganhei um celular, e depois do design passo muito tempo na frente do computador. Fico pensando o que aconteceu com a outra linha do tempo, fico pensando em como eu tenho consciência de tudo, mas do que adianta essa consciência se eu não tenho coragem de fazer nada pra mudar? Não seria o mesmo que não ter consciência? Eu fico mais tempo no celular do que eu gostaria, e quando tenho um tempo livre ou estou entediada a primeira coisa que eu faço é abrir o instagram. É incontrolável, eu sequer penso sobre isso. Eu coloquei um tempo pra me avisar e eu parar de mexer, mas de nada adianta, eu só fecho o aviso. Como pode alguém ter consciência e não conseguir mudar? Eu tento encontrar uma solução, eu queria ficar sem celular por um tempo, sei que me abriria a visão pra muitas coisas, sei que começaria a me reconectar com o meu tédio, e o mais importante, eu seria arrastada pra fora da minha zona de conforto. Comecei a ler sobre filosofia pra usar na temática do meu TCC, e descobri que existem autores que falam sobre o tédio, e sobre ele pode ser construtivo, e ajudar no processo da criatividade. Sempre achei que as percepções que eu tinha, que eu tirei da simples observação da minha própria vida, eram só percepções, sem nenhuma comprovação. Mas quando entendi que esse é um aspecto dos males da nossa sociedade, a preocupação se tornou ainda maior. Eu não quero ser a pessoa que vê a vida escorrendo nas próprias mãos, não quero lentamente observar a minha morte, e os meus dias passando cada vez mais rápidos, porque o tempo inteiro estamos fazendo coisas e não temos tempo pra simplesmente apreciar o relógio bater vagarosamente, as nuvens passarem no céu, e o sol se por. Estamos sempre correndo, não temos tempo pra estar aqui agora, porque estamos pensando o que nós vamos fazer depois. Eu não quero ser quem eu crítico, mas eu ainda não sei o que fazer.

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